quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e o Relativismo Cultural na Amazônia - Breve Ensaio

É inevitável que a política interna e externa de cada Estado-membro da imensa área da América do Sul atinge, mesmo que por via oblíqua, as relações internacionais e o desenvolvimento do próprio Direito Internacional na América Latina. Neste sentido é que a técnica jurídica comum à práxis do direito interno deve ser vista por outra ótica nas relações jurídicas internacionais, uma vez que para estas relações o direito ganha um viés político-estratégico.
Assim, para um melhor tratamento das relações internacionais em âmbito amazônico, indispensável é o reconhecimento da existência do relativismo cultural no discurso jurídico, e mais ainda, do reconhecimento de que esse relativismo se faz presente nas relações humanas quase que em sua totalidade, portanto a ciência do direito jamais poderia ficar à margem desta concepção, uma vez que o direito é eminentemente cultura de uma certa sociedade em um dado local e tempo. Significa dizer que a historicidade da ciência do direito confere legitimidade aos atos jurídicos realizados em cada época e local.
O Pacto Amazônico encontrou (e ainda encontra) diversos óbices para a sua efetiva implementação, inclusive, resistências culturais que representam a maior força representativa da sociedade internacional (ainda em formação). Força essa que age ora anuindo, ora discordando dos efeitos e da forma que a aproximação dos Estados se apresenta. No caso específico da pan-amazônia, diversos são os fatores que, influenciados pela cultura e noção de mundo, traduzem-se em opiniões e manifestações sobre as relações internacionais. Neste sentido, questiona-se de que forma a integração amazônica internacional é possível, mediante a força representativa da cultura, e de que forma podem as relações internacionais atingir objetivos mediante esses conceitos relativos e até que ponto os tratados internacionais são suficientes, e mais especificamente o Tratado de Cooperação Amazônica viabiliza a evolução nas relações pan-amazônicas, considerando que dificuldades são encontradas na região no que diz respeito à Amazônia.
O TCA não é objetivo no tratamento da questão cultural, assim como outros tratados atribuem a cultura valor supletivo; percebe-se que não há na doutrina jurídica tratamento específico deste aspecto das relações interestatais, assim como à idéia de equidade, também muito mitigada. Somente no âmbito dos direitos humanos, utilizando de noções oriundas da antropologia cultural e jurídica, é que o direito toma para si esse elemento do discurso jurídico internacional. Muitas vezes, o discurso da globalização é tido como um discurso “lugar-comum”, que não considera os possíveis equívocos e contradições que o fenômeno pode apresentar. No âmbito da ciência do direito, as inúmeras desconsiderações do tema frente a uma noção plástica e compartimentada da globalização pode levar uma tautologia jurídica, no que diz respeito ao discurso jurídico, o que, conseqüentemente, pode acarretar na ineficácia do diálogo transcultural do direito.
A noção de Direito no contexto das relações internacionais é passível de receber conotações e interpretações diferenciadas pelos Estados ou sujeitos da sociedade internacional. Sob esse prisma, a dificuldade encontrada em produzir normas internacionais que sejam, de alguma forma, válidas em plano supranacional, encontra tanto as dificuldades atinentes aos aspectos de legalidade e legitimidade, quanto a dificuldade em ser aceita e respeitada pelos aspectos mais íntimos de uma sociedade. A superação de princípios e valores locais, bem como a harmonização da legislação interna às questões de interesse internacional envolvem uma atividade de auto-superação motivada pela determinação estatal em atuar no cenário internacional para satisfação de interesses de mesma natureza.
A dificuldade apresentada pelas concepções relativistas e universalistas da cultura dificultam ao discurso jurídico o pleno êxito das relações internacionais, o que acarreta muitas vezes na visão prejudicada que a cultura jurídica – em especial a cultura jurídica brasileira – reserva ao Direito Internacional Público, conservando ainda uma visão que acaba por colocar este ramo do Direito em plano secundário, o que em suma, é uma atitude de pleno desrespeito embasada por uma visão relativista da cultura, muitas vezes formulada em contraponto ao entendimento universalista desmesurado, baseado em conceitos vagos que aludem a uma “globalização”, ou “processo de integração”, partindo de uma noção compartimentada e limitada do processo que envolve a globalização e a formação da sociedade internacional.
Percebe-se que o relativismo cultural alimentou a resistência e o descaso de muitas nações sobre as questões de cunho internacionalista, o que contribuiu para a formação da visão secundária do Direito Internacional, manifestada por muitos governos quando da elaboração do Tratado de Cooperação Amazônica, através de restrições expressas, sob a alegação de proteção à soberania estatal. As relações internacionais encontraram – e ainda encontram – imensa dificuldade em satisfazer os interesses locais dos Estados em tão somente “conseguir para si” benefícios com a celebração de tratados internacionais, o que, obviamente, prejudica o objeto das relações dessa natureza, que é justamente a satisfação da sociedade internacional. O relativismo cultural reproduz noções e conceitos para fins de restringir a atividade e a visão “globalizante”, bem como a tendência natural do desenvolvimento das relações internacionais, manifestada pela necessidade de cooperação dos países no contexto global para a satisfação de necessidades continentais, regionais, ou mesmo mundiais.
Por outro lado, a concepção universalista muitas vezes provoca um discurso jurídico tautológico, baseado na mera reafirmação de conceitos e princípios “universais”, inerentes ao ser humano em natureza. Tal concepção acarreta na não-aceitação desmesurada em compartilhar da visão universalista, posto que seu conteúdo, na grande maioria das vezes não atine para dificuldades locais ou mesmo silencia a considerar esses aspectos, o que faz com que a sociedade tenda a repelir muitas vezes essa visão global da cultura – por via oblíqua, o próprio Direito Internacional.
Através de uma análise breve do desenvolvimento do Tratado de Cooperação Amazônica, percebemos um crescente interesse dos países amazônicos no desenvolvimento do Tratado. Esse interesse é alimentado pelas dificuldades enfrentadas pelos Estados em estabelecer políticas que assegurem o desenvolvimento da região amazônica, passando tais países a acreditar no instrumento do Tratado como um meio para superação e garantia dos direitos na região. Tal entendimento configura uma evolução considerável no desenvolvimento das relações internacionais na Amazônia, pois demonstra que o desenvolvimento do Direito Internacional depende, em última instância, da formação de uma cultura de Direito Internacional, e o afastamento de concepções e manifestações relativistas baseadas em uma visão estanque da cultura e dos direitos humanos. A Declaração de Belém, elaborada por ocasião da I Reunião dos Ministros das Relações Exteriores demonstra como a articulação política dos países amazônicos era ainda incipiente quando da celebração do Tratado, o que está consignado através de um documento que pouco faz além de reiterar o preâmbulo do Tratado. Por outro lado, conforme a necessidade de se criar mecanismos harmoniosos para satisfação dos interesses vitais desses países sobre a Amazônia cresce, cresce também o valor atribuído ao Tratado como instrumento viável para garantir a defesa da Amazônia, bem como o paradigma da sustentabilidade e do manejo de recursos naturais, sem prejuízo do interesse político e econômico do mundo na região. Tal interesse é confirmado pelo constante fortalecimento institucional do TCA, através da criação de Comissões Especiais e Permanentes para estudo e manejo de questões amazônicas, bem como da criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA.
Porém, muito embora haja interesse político em mobilizar relações internacionais para atingir interesses econômicos internacionais comuns, a efetiva integração de países envolve uma tarefa árdua de harmonização de princípios. A dificuldade do universalismo é justamente estabelecer discurso coerente com a realidade local em detrimento dos interesses internacionais comuns aos países amazônicos; por outro lado, o discurso tradicional e muitas vezes ortodoxo proposto pelos adeptos ao relativismo cultural acaba por gerar um efeito protelatório ao bom andamento das relações internacionais na Amazônia, através de uma conduta inclinadamente tolerante, onde observa-se uma tolerância vazia e indiscriminada, manifesta através de repetidos discursos sobre a integração regional e a aproximação da cultura Amazônica.
O problema que se mostra é determinante para o desenvolvimento de uma cultura amazônica, pois, partindo-se de concepções estanques, ou seja, fundadas em uma só cultura, torna-se inoperante o aparato internacional, justamente por não haver meios de superar antigas dicotomias da Ciência Jurídica, onde muitas vezes não só a conduta relativista é prejudicial, mas também a própria noção de soberania estatal e a força que ela representa para o Estado e o Direito.
Percebe-se quão grande é a dificuldade encontrada em fornecer elementos para uma nova noção de sociedade, vista agora sob o prisma supranacional, posto que as dificuldades da região amazônica invocam a força representativa da cultura local para desvirtuar ou mesmo dissimular a necessidade crescente da integração regional como processo formação de uma nova trajetória para a sociedade.
Admite-se que o relativismo cultural demonstrado em pré-conceitos acerca das razões para a cooperação e a integração amazônica significa uma postura diametralmente oposta ao discurso universalista ordinário, que muitas vezes não suscita diversidades culturais e dificuldades locais para o processo de formação da sociedade global, que, acima de qualquer coisa, não deve ser feito através da deformação do Estado, e sim, através de uma transmutação, que envolve a difícil tarefa de reconhecer os problemas e dificuldades internas de cada país amazônico. Tal tarefa supõe um processo de concessões mútuas, que demonstrem de que forma á devida integração é possível. O caráter solidário das relações internacionais é fundamental para a compreensão da formação de um fenômeno novo e inédito na história mundial.
A necessidade de discutir-se a importância do diálogo transcultural do direito nas relações internacionais invoca um novo passo para a hermenêutica jurídica contemporânea, no sentido de compreender quais óbices são verificados na consolidação de projetos de sociedade a nível internacional, bem como que critérios podem ser utilizados para harmonizar conflitos, sem que seja necessário entregar-se de antemão ao reducionismo do relativismo cultural, que de forma alguma questiona o problema fundamental e sua importância para o direito a sociedade internacional.
Dessa forma, a superação do relativismo cultural pode contribuir para o enriquecimento do diálogo transcultural do direito na região amazônica, o que possibilita ao Tratado de Cooperação Amazônia, através da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, envolver os atores internacionais em uma atmosfera de constante superação de conflitos determinados pela cultura local – o que envolve o Direito Interno – para consolidar assim um projeto de sociedade pan-amazônica, sem que haja, para tal, a imposição de valores ou interesses com inobservância desses aspectos da sociedade.
רפאל

Nenhum comentário: