quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Minima Moralia - Dedicatória de Adorno para Horkheimer


Theodor Adorno dedica seus ensaios de "Minima Moralia: fragmentos..." ao seu amigo Max Horhkeimer.
Para os que não conhecem a obra, aconselho a leitura e reflexão de um dos textos mais sérios da filosofia contemporânea.

O trecho abaixo é parte da dedicatória de Adorno. Espero que seja compreendida em sua totalidade, pois é de uma sinceridade rara.

Boa leitura, רפאל


"A melancólica ciência, da qual alguns fragmentos ofereço ao meu amigo, refere-se a um domínio que, desde tempos imemoriais, se considerou peculiar à filosofia, mas que a partir da transformação desta em método caiu no desrespeito intelectual, na arbitrariedade sentenciosa e, por fim, no esquecimento: a doutrina da vida reta. O que outrora para os filósofos se chamou vida converteu-se na esfera do privado e, em seguida, apenas do consumo, a qual, como apêndice do processo material da produção, se arrasta com este sem autonomia e sem substância própria. Quem quiser experimentar a verdade sobre a vida imediata deve indagar a sua forma alienada, os poderes objetivos que determinam, até ao mais recôndito, a existência individual. Falar com imediatidade do imediato dificilmente é comportar-se de modo diverso dos escritores de novelas que enfeitam as suas marionetes com as imitações da paixão de outrora quais adornos baratos e que deixam atuar personagens que nada mais são do que peças da maquinaria, como se ainda pudessem agir enquanto sujeitos e algo dependesse da sua ação. A visão da vida transferiu-se para a ideologia que cria a ilusão de que já não há vida.
Mas a relação entre a vida e a produção, que degrada efetivamente aquela a um fenômeno efêmero desta, é de todo absurda. Invertem-se entre si o meio e o fim. Ainda não se eliminou totalmente da vida a suspeita do inconseqüente quid pró quo. A essência reduzida e degradada luta tenazmente contra o seu encantamento de fachada. A alteração das próprias relações de produção depende em grande medida do que ocorre na "esfera do consumo", na simples forma reflexa da produção e na caricatura da verdadeira vida: na consciência e inconsciência dos indivíduos. Só em virtude da oposição à produção, enquanto não de todo assimilada pela ordem, podem os homens suscitar uma produção mais dignamente humana. Se de todo se eliminar a aparência da vida, que a própria esfera do consumo com tão más razões defende, triunfará então o malefício da produção absoluta.
Há, contudo, muita falsidade nas considerações que partem do sujeito acerca de como a vida se tornou aparência. Porque na atual fase da evolução histórica, cuja avassaladora objetividade consiste apenas na dissolução do sujeito sem que dela tenha nascido novidade alguma, a experiência individual apoia-se necessariamente no velho sujeito, historicamente condenado, que ainda é para si, mas já não em si. Ele julga estar seguro da sua autonomia, mas a nulidade que o campo de concentração patenteou aos sujeitos ultrapassa já a forma da própria subjetividade. À consideração subjetiva, mesmo criticamente acutilante acerca de si mesma, cola-se um [elemento] sentimental e anacrônico: algo do lamento pelo curso do mundo, que seria de rejeitar não pelo que neste há de bondade, mas porque o sujeito que se lamenta ameaça ancilosar-se no seu modo de ser, cumprindo assim de novo a lei do curso do mundo. A fidelidade ao próprio estado da consciência e da experiência está sempre sujeita à tentação de se transformar em infidelidade, enquanto renuncia ao discernimento que transcende o indivíduo e chama tal substância pelo seu nome."

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