segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

"Enkráticos": ao Prof. Atahualpa Fernandez

Devo o princípio de minha formação moral, intelectual e profissional ao meu estimado professor de Introdução ao Direito, Dr. Atahualpa Fernandez. Esse grande advogado e jusfilósofo me ensinou tudo que eu precisei saber para amar o Direito, amar a ciência e amar a vida em geral. Nunca o agradeci pessoalmente, mas acredito que ele saiba o quanto é importante para um jovem acadêmico a participação efetiva de um grande mestre. Aliás, mestres como ele estão cada vez mais raros, dizem alguns. Eu discordo, acho que não estão ficando raros. Mestres são raros, e deve ser assim.
Meus colegas na nostálgica 1DIN1 com certeza vão recordar do que vou passar a tecer nas próximas linhas, com a certeza de que fomos privilegiados nas nossas lições introdutórias.

Então vamos lá, entrando no túnel do tempo, voltamos para 30 de agosto de 2001, aproximadamente 21h, o nosso mestre ditava as seguintes palavras:

"Uma vez que considerou o direito por um enfoque especialmente argumentativo ou discursivo, ou seja, que se considera o direito como uma atividade ou tarefa problemática cuja finalidade é a realização da justiça, mediante a interpretação e a aplicação da norma jurídica, é preciso considerar que toda a argumentação jurídica tem por objeto, sempre, uma relação jurídica. Sendo certo que toda relação jurídica nada mais é do que uma relação social qualificada como tal pela norma jurídica (direito) e que toda relação terá sempre como sujeito o indivíduo, a finalidade última do direito será sempre a de atender o incondicional respeito a liberdade ou a dignidade da pessoa ou do ser humano.
(...)
Indivíduo:
A formação ou conquista da individualidade, aqui considerada como a constituição de uma pessoa autônoma e independente, exige a condição prévia da institucionalização histórico-secular da liberdade. Significa dizer que a conquista de uma individualidade autônoma e separada pressupõe a liberdade plena do indivíduo, assegurada pelo conjunto de normas de um determinado ordenamento jurídico. Esta liberdade deve ser entendida - para o que aqui nos interessa - como "não dominação", ou seja, que o indivíduo é livre na medida em que ninguém possa interferir arbitrariamente nos seus planos de vida.
Uma vez satisfeito este pressuposto básico é preciso considerar que a conquista da individualidade exige, ademais, de dois requisitos básicos:
1. CONSIDERAR QUE O INDIVÍDUO É O RESULTADO DE UM COMPLICADO PROCESSO DE ARTICULAÇÃO ENTRE UMA ESTRUTURA MENTAL EXTREMAMENTE RICA E ESTÍMULOS PROVENIENTES DE UMA IGUALMENTE COMPLICADA VIDA SOCIAL; significa que a constituição do indivíduo depende sempre da forma como estabelece relações com seus semelhantes, ou seja, que a nossa individualidade e inteligência são essencialmente dependentes das relações sociais. É o olhar do outro que conforma e forma a nossa individualidade. Por essa razão, toda a nossa atividade mental, no que diz respeito a vida social está direcionada para entender, predizer e construir hipóteses sobre o comportamento dos demais. Por esta razão é que nossa atividade linguística está repleta de conteúdo social (fofoca).
2. CONSIDERAR QUE A CONQUISTA DA INDIVIDUALIDADE É ALGO TAMBÉM PROCESSUAL E DE GRAU, OU SEJA, QUE DEPENDE FUNDAMENTALMENTE DO PRÓPRIO INDIVÍDUO: ademais do "olhar do outro" é preciso considerar também que a conquista de um caráter virtuoso depende fundamentalmente da capacidade de todo indivíduo de automodelar-se (ou autolegislar-se). Significa dizer que, por termos uma estrutura mental extremamente rica, vivemos constantemente em conflito conosco mesmos. Logo, essa capacidade de todo indivíduo de automodelar seu próprio caráter e individualidade pressupõe que podemos ter preferências e desejos bons e maus. Ao indivíduo que consegue escolher sabiamente seus melhores desejos e harmonizar os conflitos internos de que padece, denomina-se uma pessoa "enkrática" - com grande força de vontade; ao indivíduo que não consegue escolher seus melhores desejos e harmonizar seus conflitos denomina-se uma pessoa "akrática"."

Mestres são mestres, suas palavras o tempo não apaga, pois a memória e o coração estão sempre reforçando seus traços. Prof. Atahualpa (sem o dr., como você prefere), acredito e tento, a cada dia, ser mais "enkrático" que num minuto anterior. Essa pequena ode vem de um animal político que estima por sua sapiência e longevidade.

Muito obrigado,
רפאל

3 comentários:

Anônimo disse...

Amigo Rafael, cirugião das palavras. Acredito que essa aula marcou a vida de muitos alunos, inclusive a minha. Tantos professores,excelentes,disciplinas maravilhosas. Felizardos formos nós, tivemos um professor pós-excelente, em uma discplina pós-maravilhosa, serviu de base não apenas para nosso curso, mas para nossa vida. Ali tinhamos ensinamentos de vida, dados pelo maestro do saber, nosso professor Atahualpa, que me lembro muito bem dos comentários do amigo Adilson, "esse professor, com esse óculos parece com o Mahatma Gandhi" não esqueço. É verdade meu amigo, nosso professor Atahualpa foi um divisor de águas, ensinando-nos valores, ou melhor as escolhas.
Amigo Rafa, cirurgião das parabéns por mais um entre tantos que escreves. Abraços, Cleberson Williams, Kelé, <><

Anônimo disse...

querido amigo,

li seu blog.nao recordo haver recebido um agradecimento mais emotivo e pessoalmente impactante. o agradecido sou (e serei sempre) eu.
muito obrigado.
fraternalmente.
atahualpa

Citadino Kane disse...

Rafael,
Gosto do professor Atahualpa, só lamento que a proposta do Paulinho Klautau não foi concretizada, estudarmos Atahualpa, prometemos ler o livro dele e debatermos com ele em carne e osso... Foram muitos chopes na Doca, inclusive com o Atahualpa presente (ele só bebeu suco).
Abraços,
Pedro